O Papa Francisco, morto nessa segunda-feira, aos 88 anos, depois de uma longa jornada de enfermidade que o fez afastar-se de suas atividades no Vaticano por muitos e penosos dias, foi um notável transformador, mesmo tendo no seu DNA uma forte característica de humildade e reserva pessoal, pouco afeito aos holofotes.
Preferiu atuar com o uso de uma liderança quase silenciosa, tendo as pessoas mais simples como suas companhias preferenciais.
Notabilizou-se por ser o primeiro em muitas coisas. Desde o fato de ter sido o primeiro Jesuíta escolhido para ocupar a principal hierarquia da histórica e poderosa Igreja Católica, também foi o primeiro Papa latino-americano, quebrando uma tradição dominante de que só europeus eram eleitos para o cargo. Foi igualmente o primeiro papa da história a ser eleito com seu antecessor ainda vivo, em substituição a Bento XVI, que renunciara ao cargo. Foi o primeiro, do mesmo modo, ao trocar o suntuoso e tradicional Palácio Apostólico como lugar de morada, e a escolher como sua residência a bem mais modesta Casa Santa Marta.
Francisco foi o primeiro Papa a ter um olhar especial para lugares e regiões que nunca estiveram no radar do Vaticano.
Assim, instaurou uma agenda diferente e pouco provável até então, indo a terras nunca tocadas pelos Pontífices. Do Iraque à Córsega, da Ásia aos países africanos, deu a nações e povos dessas regiões uma atenção nunca vista na história.
No campo da gestão superior da Igreja, também foi um inovador e pioneiro, tendo criado um Conselho de Cardeais para governar o vaticano, dividindo tarefas e responsabilidades antes concentradas em mãos anteriores de verdadeiros monarcas.
O Papa Francisco também foi inovador, quando deu atribuições de responsabilidade às mulheres e leigos na Cúria; ao abolir o segredo pontifício para casos de abuso sexual praticado por sacerdotes ao redor do mundo, e também a retirar do Catecismo as referências à pena de morte, que passou desde então a merecer visível atuação por sua extinção definitiva no mundo.
Com a mesma energia, o Papa Francisco tornou-se uma voz vigorosa contras, guerras de todas as formas e espécies, enfrentando com inusitada coragem dirigentes governamentais ao redor do mundo, sobretudo das grandes potências políticas e econômicas, que se sustentam no poder promovendo conflitos armados no intuito comercial de vender armas bélicas, armamentos e munições.
Francisco, por várias vezes, denunciou a ganância econômica desses influentes países na alimentação de guerras, que ele mesmo presenciou na Ásia, na África, no genocídio praticado por Israel contra as populações palestinas na Faixa de Gaza, e na guerra sem razão entre Rússia e Ucrânia, conflitos que matam milhares e milhares de pessoas a cada ano, que têm como vítimas principais mulheres, idosos e crianças.
O Papa Francisco foi um guerreiro na luta contra a fome, a miséria e todas as formas de violência e desigualdades sociais e se tornou incansável no combate aos desequilíbrios ecológicos. Numa conferência que celebrava os 75 anos da ONU, em 2020, fez veemente apelo às governanças mundiais para que se salve o Planeta, tocando especialmente “na situação perigosa da Amazônia e de seus povos indígenas”.
Francisco, nessa ocasião, e em vários momentos ao longo de seu papado, chamava a atenção do mundo para a realidade de que a crise ambiental “está indissoluvelmente ligada a uma crise social e o cuidado do meio ambiente exige uma abordagem integrada para combater a pobreza e a exclusão.”
Ao manter a esperança de que a sensibilidade ecológica integral pudesse avançar entre as pessoas, sobretudo entre governantes e detentores de poder econômico, Francisco sempre nos alertava de que “não podemos sobrecarregar as próximas gerações com os problemas causados pelas anteriores.”
Esse formidável legado que o Papa Francisco deixa ao mundo com sua partida, não pode ser interrompido e, menos ainda, sofrer retrocessos. Mesmo diante do avanço da extrema-direita em várias partes do planeta, até mesmo no Brasil, não creio que o Cardeal que será escolhido para sucedê-lo, não seja alguém sintonizado com esses princípios de humanidade, da prevalência do bem sobre o mal, da eliminação dos conflitos armados, da redução das injustiças e no combate vigoroso à fome, à miséria, a todas as violências e à destruição ambiental do planeta. Minha esperança é de que aquele que carregará a imensa responsabilidade de ocupar o seu posto, comungue dos mesmos sentimentos de grandeza e elevação humana que Francisco sempre ostentou.
Por José Osmando