Em uma movimentada sessão na Comissão de Legislação Participativa, realizada nesta terça-feira, dia 27, a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) iniciou uma vigorosa mobilização na Câmara dos Deputados. O foco central das discussões foi o emblemático “Caso Sônia Maria de Jesus”, que envolve uma mulher de 50 anos, negra, surda e com visão monocular, que foi resgatada sob a acusação de ter sido mantida em trabalho análogo à escravidão por 40 anos na casa do desembargador Jorge Luiz de Borba, em Santa Catarina.
O resgate de Sônia Maria de Jesus, ocorrido em junho do ano passado por auditores fiscais do trabalho, chamou atenção nacional e internacionalmente. No entanto, a indignação aumentou quando, apenas dois meses após o resgate, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a volta da vítima à casa de Borba, decisão que gerou uma resposta imediata com a criação da campanha global #sonialivre. A situação ganhou contornos ainda mais graves, quando o caso chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde Sâmia Bomfim busca articular um debate com ministros, parlamentares e várias comissões da Câmara dos Deputados.
Com o intuito de ampliar a pressão sobre o STF, Sâmia Bomfim sugeriu a participação ativa de mais parlamentares e comissões. Não está descartada a possibilidade de denúncia do caso à ONU por violação da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Para Bomfim, a ampliação do debate e da pressão judicial é fundamental para garantir que o país não retroceda nos direitos humanos.
Izabel Maior, ex-secretária nacional dos direitos da pessoa com deficiência, também contribuiu significativamente ao recomendar o envolvimento da Câmara nas pressões ao STF. Segundo ela, o “Caso Sônia” é um exemplo gritante de violação dos direitos humanos, que perpetua práticas escravagistas. Izabel destacou que, até o momento, o único posicionamento oficial veio do ministro André Mendonça, que pediu mais informações e permitiu que Sônia permanecesse na casa dos patrões. Maior salientou a necessidade de um posicionamento conjunto da Corte.
Os organizadores da campanha #sonialivre criticaram veementemente as alegações do desembargador de que Sônia era tratada como um membro da família. Segundo eles, esta narrativa contrasta fortemente com a realidade vivida por Sônia, que foi privada de educação, saúde e cidadania, e sequer teve acesso à linguagem de sinais (Libras) para se comunicar. A coordenadora da campanha, a juíza do trabalho aposentada Mylene Seidl, inclusive enfatizou que há outras hipóteses criminais a serem investigadas, como trabalho infantil, tráfico de pessoas e violência, segundo a Lei Maria da Penha.
A irmã de Sônia, Marta de Jesus, reforçou que a vítima perdeu contato com sua família biológica aos nove anos e que a mãe jamais os teria abandonado. Marta argumentou que, ao reencontrar a família, Sônia deveria ter sido ressocializada com eles, e não retornada aos seus algozes.
O Ministério dos Direitos Humanos tem acompanhado de perto o caso e divulgou que, em 2023, foram registradas 3.400 denúncias de trabalho escravo no Brasil, um recorde histórico. Naira Gaspar, representante do Ministério, destacou a necessidade urgente de Sônia aprender Libras para poder expressar seus sentimentos e ressaltou a vulnerabilidade acentuada das pessoas com deficiência.
Marcelo Zig, presidente do Quilombo PCD, sublinhou a recente inclusão das pessoas com deficiência no “Mapa da Violência”, ainda que os dados estejam subnotificados devido à dificuldade das vítimas em denunciar. A deputada Carla Ayres (PT-SC) propôs um projeto de lei que visa impedir o “desresgate”, ou seja, o retorno das vítimas ao local de onde foram resgatadas.
A audiência na Câmara também expressou solidariedade aos auditores que denunciaram o caso e foram afastados de suas funções. Um dossiê detalhado foi entregue à relatora da ONU sobre Formas Contemporâneas de Racismo, Ashwini K.P., e a campanha seguirá com intensa mobilização nos próximos 30 dias, antes da data limite de 6 de agosto, fortalecendo a luta por #sonialivre.
Com informações e fotos da Câmara dos Deputados