O Supremo Tribunal Federal marcou para esta quarta-feira a retomada do julgamento de quatro ações que questionam a tese embutida na PEC do Marco Temporal e estabelece que as populações indígenas brasileiras só terão direito às terras que ocupam, se elas já estivessem sendo ocupadas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição federal.
O STF, em ocasiões anteriores, já se manifestou contrariamente a esse tese, esperando-se que siga agora nesse entendimento.
Ocorre que ontem, surpreendentemente, o Senado aprovou em dois turnos a PEC do Marco Temporal, acatando a tese defendida por grandes latifundiários rurais e empreendedores das explorações minerais, reduzindo de modo vigoroso os direitos das populações originárias do Brasil, e a partir daí dificultando de maneira significativa a ação do Poder Executivo na demarcação de terras indígenas.
Essa decisão do Senado é uma clara exposição no enfrentamento ao STF, dando-se no exato momento em que a Corte retoma os julgamentos, e numa etapa da vida nacional em que lideranças do parlamento escancaram uma desavença elevada com ministros do Supremo.
A raiz dessas desavenças que vêm num crescimento visível, pode ser encontrada em vários pontos. Como a indicação, pelo Presidente da República, de um candidatro à vaga de ministro do STF, que contrariou o presidente da Casa, David Alcolumbre, ou a recente manifestação do ministro Gilmar Mendes, que declaração ser a Procuradoria Geral da República a única instituição apta a pedir impeachement de ministros da Corte.
A posição de Gilmar Mendes atiçou os ânimos aborrecidos do presidente do Senado, que já não vinha satisfeito com outras atitudes, de outros ministros do STF, que os senadores julgam interferências indevidas no Legislativo.
Uma dessas causas de contrariedade tem sido a determinação do ministro Flávio Dino, de cobrar transparência absoluta na aplicação das Emendas Parlamentares, especialmente das chamadas emendas PIX, após a constatação documentada de que tanto na Câmara, quanto no Senado, vinham ocorrendo (e ainda ocorrem) desvios sistemáticas de recursos públicos para fins escusos.
Ainda nesta semana o ministro Flávio Dino determinou o envio à Polícia Federal de um relatório da Controladoria-Geral da União, que aponta irregularidades na execução das chamadas emendas PIX em 20 municípios brasileiros. Na decisão, o magistrado afirma que as suspeitas envolvendo os recursos “parecem indicar a permanência de um quadro generalizado de ilegalidades, com grave afronta às decisões do STF”.
Conclusivamente, nessa novíssima manifestação do Senado, mais um desfecho da sua briga com o STF, quem vai pagar a conta é a população indígena, secularmente já explorada, perseguida, vilipendiada. Numa espécie de vingança maltida, senadores viram as costas para os mais vulneráveis.
Por considerar oportuno e atual, lembro aqui o Padre Antonio Vieira( ele morreu em 18 de julho de 1697), na pregação dos seus “Sermões”, há mais de 330 anos atrás:
“Vedes as obrigações que se descarregam sobre vosso cuidado, vedes o peso que carrega sobre vossas consciências, vedes as desatenções do homem público, vedes as injustiças, vedes os roubos, vedes os descaminhos, vedes os enredos, vedes as dilações, vedes os subornos, vedes as potências dos grandes e as vexações dos pequenos, vedes as lágrimas dos pobres, os clamores e gemidos de todos ?Ou vedes ou não vedes. Se o vedes, como não remediais? E se não o remediais, como não vedes?: Estais cegos.”
Por José Osmando













