Os cinco ministros que integram a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), concluíram nesta quinta-feira os seus votos, e determinaram (por 4 votos a 1), a condenação do núcleo central do grupo que planejou e executou as tentativas de um golpe de Estado, incluindo o ex-Presidente Jair Bolsonaro, considerado o líder da “organização criminosa” – conforme consta do relatório do ministro Alexandre de Moraes, sustentando pelos demais integrantes da Turma-. A única exceção foi o ministro Luiz Fux, o único a votar contrariamente à condenação do ex-chefe de governo.
A tarde desta quinta-feira teve características e ambiente opostos à quarta-feira, quando o ministro Luiz Fux surpreendeu o STF e grande parte da nação, ao proferir um voto libertário em relação aos réus, optando por condenar apenas o general Braga Neto e o militar que prestou colaboração premiada no processo e, assim, forneceu o roteiro para que a Polícia Federal fosse em busca dos delitos apontados contra Bolsonaro e os demais. O Mauro Cid e o general Braga Neto, receberam condenação de Fux em apenas um dos cinco crimes que lhes foram imputados.
O que chama a atenção no voto da Ministra Carmem Lúcia, visivelmente aguardado após as manifestações apresentadas pelo ministro Fux, foi a segurança, a veemência e a clareza de suas convicções quanto às provas apresentadas pelo relator Alexandre de Moraes , e já anteriormente seguidas pelo ministro Flávio Dino-, além de que o seu voto, ao contrário de como agiu Luiz Fux, que usou nada menos do que 13 horas para explanar as suas longas e repetidas narrativas.
Outro contra-ponto significativa na exposição de Carmém Lúcia é o fato deque ela permitiu todos os apartes que lhes foram solicitados, começando por Flávio Dino, seguido do Alexandre de Moraes e, finalmente, pelo ministro Zanin. Apenas o ministro Luiz Fux, que anunciou, ao iniciar seu voto, que não permitiria apartes dos demais ministros, não fez intervenção ao voto da ministra Cármem. Ficou praticamente o tempo inteiro de cabeça baixa, não apresentando reações ou interações, nem mesmo quando recebeu indiretas dos colegas e até mesmo provocações da ministra Cármem, algo natural para que estava proferido um voto que era o exato oposto do que ele havia feito na véspera.
Para basear seu voto e oferecer uma conotação de importância política ao julgamento que o STF está concluindo, a ministra Carmem Lúcia dois importantes recortes da nossa literatura brasileira.
O primeiro, a citação de trechos do livro “A Máquina do Golep”, de Heloísa Starling, que analisa os eventos de 1964, partindo da ideia de que um golpe é um processo histórico que começa anos antes do dia do ato e termina muito depois que a ditadura acaba. Assim, sendo o golpe um processo e não um evento, a ministra articulou todos os atos do ex-presidente Bolsonaro para desacreditar nossa democracia a fim de de ir montando o golpe que fracassou.
Nesse particular, ganhou força essa sua lembrança o aparte feito pelo ministro Aleandre de Moraes, que exibiu vídeo de manifestações de 7 de setembro de 2021, onde o ex-presidente fez proclamação severa contra o STF e ameaçou tirar do cargo o ministro Moraes, caso ele não trancasse as ações contra ele movidas na corte.
E, para finalizar, trouxe um marcante poema de Affionso Romano de S’ Antanna, que é um peça formidável para encerrar esta colunade hoje:
Que País É Este?
1
Uma coisa é um país,
outra um ajuntamento.
Uma coisa é um país,
outra um regimento.
Uma coisa é um país,
outra o confinamento.
Mas já soube datas, guerras, estátuas
usei caderno “Avante”
— e desfilei de tênis para o ditador.
Vinha de um “berço esplêndido” para um “futuro radioso”
e éramos maiores em tudo
— discursando rios e pretensão.
Uma coisa é um país,
outra um fingimento.
Uma coisa é um país,
outra um monumento.
Uma coisa é um país,
outra o aviltamento.
(…)
2
Há 500 anos caçamos índios e operários,
há 500 anos queimamos árvores e hereges,
há 500 anos estupramos livros e mulheres,
há 500 anos sugamos negras e aluguéis.
Há 500 anos dizemos:
que o futuro a Deus pertence,
que Deus nasceu na Bahia,
que São Jorge é que é guerreiro,
que do amanhã ninguém sabe,
que conosco ninguém pode,
que quem não pode sacode.
Há 500 anos somos pretos de alma branca,
não somos nada violentos,
quem espera sempre alcança
e quem não chora não mama
ou quem tem padrinho vivo
não morre nunca pagão.
Há 500 anos propalamos:
este é o país do futuro,
antes tarde do que nunca,
mais vale quem Deus ajuda
e a Europa ainda se curva.
Há 500 anos
somos raposas verdes
colhendo uvas com os olhos,
semeamos promessa e vento
com tempestades na boca,
sonhamos a paz da Suécia
com suíças militares,
vendemos siris na estrada
e papagaios em Haia,
senzalamos casas-grandes
e sobradamos mocambos,
bebemos cachaça e brahma
joaquim silvério e derrama,
a polícia nos dispersa
e o futebol nos conclama,
cantamos salve-rainhas
e salve-se quem puder,
pois Jesus Cristo nos mata
num carnaval de mulatas.
(…)
Publicado no livro Que país é este? e outros poemas (1980).
Por José Osmando