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“Que país é este”? É o que, finalmente, condena quem planejou golpe de Estado | José Osmando

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Os cinco ministros que integram a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), concluíram nesta quinta-feira os seus votos, e determinaram (por 4 votos a 1), a condenação do núcleo central do grupo que planejou e executou as tentativas de um golpe de Estado, incluindo o ex-Presidente Jair Bolsonaro, considerado o líder da “organização criminosa” – conforme consta do relatório do ministro Alexandre de Moraes, sustentando pelos demais integrantes da Turma-. A única exceção foi o ministro Luiz Fux,  o único a votar contrariamente à condenação do ex-chefe de governo.

A tarde desta quinta-feira teve características e ambiente opostos à quarta-feira, quando o ministro Luiz Fux surpreendeu o STF e grande parte da nação, ao proferir um voto libertário em relação aos réus, optando por condenar apenas o general Braga Neto e o militar que prestou colaboração premiada no processo e, assim, forneceu o roteiro para que a Polícia Federal fosse em busca dos delitos apontados contra Bolsonaro e os demais.  O Mauro Cid e o general Braga Neto, receberam condenação de Fux em apenas um dos cinco crimes que lhes foram imputados.

O que chama a atenção no voto da Ministra Carmem Lúcia, visivelmente aguardado após as manifestações apresentadas pelo ministro Fux, foi a segurança, a veemência e a clareza de suas convicções quanto às provas apresentadas pelo relator Alexandre de Moraes , e já anteriormente seguidas pelo ministro Flávio Dino-, além de que o seu voto, ao contrário de como agiu Luiz Fux, que usou nada menos do que 13 horas para explanar as suas longas e repetidas narrativas.

Outro contra-ponto significativa na exposição de Carmém Lúcia é o fato deque ela permitiu todos os apartes que lhes foram solicitados, começando por Flávio Dino, seguido do Alexandre de Moraes e, finalmente, pelo ministro Zanin. Apenas o ministro Luiz Fux, que anunciou, ao iniciar seu voto, que não permitiria apartes dos demais ministros, não fez intervenção ao voto da ministra Cármem. Ficou praticamente o tempo inteiro de cabeça baixa, não apresentando reações ou interações, nem mesmo quando recebeu indiretas dos colegas e até mesmo provocações da ministra Cármem, algo natural para que estava proferido um voto que era o exato oposto do que ele havia feito na véspera.

Para basear seu voto e oferecer uma conotação de importância política ao julgamento que o STF está concluindo, a ministra Carmem Lúcia dois importantes recortes da nossa literatura brasileira.

O primeiro, a citação de trechos do livro “A Máquina do Golep”, de Heloísa Starling, que analisa os eventos de 1964, partindo da ideia de que um golpe é um processo histórico que começa anos antes do dia do ato e termina muito depois que a ditadura acaba. Assim, sendo o golpe um processo e não um evento, a ministra articulou todos os atos do ex-presidente Bolsonaro para desacreditar nossa democracia a fim de de ir montando o golpe que fracassou.

Nesse particular, ganhou força essa sua lembrança o aparte feito pelo ministro Aleandre de Moraes, que exibiu vídeo de manifestações de 7 de setembro de 2021, onde o ex-presidente fez proclamação severa contra o STF e ameaçou tirar do cargo o ministro Moraes, caso ele não trancasse as ações contra ele movidas na corte.

E, para finalizar, trouxe um marcante poema de Affionso Romano de S’ Antanna, que é um peça formidável para encerrar esta colunade hoje:

Que País É Este?

1

Uma coisa é um país,

outra um ajuntamento.

Uma coisa é um país,

outra um regimento.

Uma coisa é um país,

outra o confinamento.

Mas já soube datas, guerras, estátuas

usei caderno “Avante”

— e desfilei de tênis para o ditador.

Vinha de um “berço esplêndido” para um “futuro radioso”

e éramos maiores em tudo

— discursando rios e pretensão.

Uma coisa é um país,

outra um fingimento.

Uma coisa é um país,

outra um monumento.

Uma coisa é um país,

outra o aviltamento.

(…)

2

Há 500 anos caçamos índios e operários,

há 500 anos queimamos árvores e hereges,

há 500 anos estupramos livros e mulheres,

há 500 anos sugamos negras e aluguéis.

Há 500 anos dizemos:

que o futuro a Deus pertence,

que Deus nasceu na Bahia,

que São Jorge é que é guerreiro,

que do amanhã ninguém sabe,

que conosco ninguém pode,

que quem não pode sacode.

Há 500 anos somos pretos de alma branca,

não somos nada violentos,

quem espera sempre alcança

e quem não chora não mama

ou quem tem padrinho vivo

não morre nunca pagão.

Há 500 anos propalamos:

este é o país do futuro,

antes tarde do que nunca,

mais vale quem Deus ajuda

e a Europa ainda se curva.

Há 500 anos

somos raposas verdes

colhendo uvas com os olhos,

semeamos promessa e vento

com tempestades na boca,

sonhamos a paz da Suécia

com suíças militares,

vendemos siris na estrada

e papagaios em Haia,

senzalamos casas-grandes

e sobradamos mocambos,

bebemos cachaça e brahma

joaquim silvério e derrama,

a polícia nos dispersa

e o futebol nos conclama,

cantamos salve-rainhas

e salve-se quem puder,

pois Jesus Cristo nos mata

num carnaval de mulatas.

(…)

Publicado no livro Que país é este? e outros poemas (1980).

Por José Osmando

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