Na semana em que a relatora da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets, senadora Soraya Thronicke, apontou para o indiciamento das influenciadoras digitais Virgínia Fonseca e Deolane Bezerra, e mais 14 outras pessoas- incluindo empresários e representantes de casas de apostas, por estarem contribuindo para difusão indiscriminada de uma febre de jogos eletrônicos que tem afetado a vida e a saúde mental de jovens brasileiros-, o ministro Alexandre Padilha, da Saúde, trouxe um forte ingrediente para esse debate.
Padilha, ao considerar que o vício em apostas é um problema grave que vem causando graves danos às pessoas, especialmente as crianças e jovens, afirma que essas modalidades de jogatina devem receber regulamentação similar à que foi estabelecida há alguns anos sobre o cigarro, com rigoroso controle sobre a propaganda e adoção de amplas e consistentes campanhas de alerta às famílias sobre os riscos que carregam.
O ministro da Saúde recolhe dados do Sistema Único de Saúde (SUS) que apontam uma elevação gigantesca nos atendimentos laboratoriais relacionados a “transtorno do jogo” e “mania de jogos de apostas.” Pelos dados mostrados, em 2018 haviam sido registrados 111 casos de atendimento por essas dependências, um número que subiu para 1.292 no ano passado.
Mas há especialistas dentro do próprio Governo que vão além dos elementos trazidos por Alexandre Padilha, pois esses números, que por si já são expressivos, ainda não refletem o cenário verdadeiro da dependência no país.
Eles afirmam que no relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), divulgado em maio, esse número de atendimentos pode estar subestimado e que as iniciativas de detecção precoce de casos de dependência são muito escassas, não espelhando, portanto, a realidade.
As empresas que atuam nesse lucrativo e indiscriminado mercado de apostas online começaram a se instalar no Brasil durante o Governo Temer, em 2018, e foram crescendo largamente, estimuladas por um vácuo, uma zona cinzenta na legislação, diante de ausência do Congresso de criar mecanismos legais de controle.
Daí, conforme pesquisa Datafolha de 2023, já são mais de 15% a população brasileira que se manifesta como praticante dos jogos de apostas, com a presença majoritária de jovens e a incidência muito grave de beneficiários do Bolsa Família.
No caso das influenciadoras digitais que ganham rios de dinheiro na divulgação e no estímulo aos jogos de apostas, a relatora da CPI, senadora Soraya Thronicke defende em seu texto que Virgínia seja indiciada pelos crimes de publicidade enganosa e estelionato, cujas penas máximas somariam mais de 6 anos de prisão. A influencer admitiu, durante seu depoimento na CPI, fazer apostas em uma conta de demonstração configurada pela Bet, conhecida como “conta demo” no jargão publicitário.
A relatora põe no seu texto que ao induzir em erros seus milhares de seguidores, que acreditavam em suas apostas, que elas eram reais e que resultariam em ganhos ao apostador, Virgínia fornece fortes indícios de que tenha cometido crime de estelionato.
Quanto a Deolane, a relatora aponta que ela divulgou falsamente que a bet estava autorizada a funcionar. E acrescenta algo muito grave: a advogada de Deolane vendeu a participação dela no esquema de divulgação, em novembro de 2024, para um empresário do setor, por nada menos do que R$ 30 milhões.
Com a intenção do Governo Lula, revelada pelo ministro Alexandre Padilha, de dar às bets o mesmo tratamento que foi dado ao cigarro (e que tem apresentado resultados muito positivos), a ideia central é ter controle rigoroso na divulgação, evitando o uso por menores e pessoas com dependência, prevendo-se, por exemplo, além da difusão pelas diversas mídias, também a proibição de apostar com cartão de crédito e adotar a exigência do CPF para cada apostador.
Alguns países já implementaram medidas nesse sentido, com restrições severas à publicidade e adoção de alerta sobre riscos. O que precisa ocorrer, sem mais demora, é tratar as apostas online como um produto que pode causar dependência e problemas de saúde, sobretudo no adoecimento mental, protegendo essas pessoas, de modo legal, contra uma invasão criminosa que só tem um objetivo, que é produzir ganhos financeiros astronômicos para os empreendedores do setor.
Por José Osmando