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Poesia de Affonso Romano de Sant’Anna e filme Ainda Estou Aqui: uma reflexão sobre tortura

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TORTURADO E SEU TORTURADOR

Affonso Ronano de Sabt’Anna

Apanhado em meio à noite,
 jogado no chão da cela,
 o corpo nu conhece
 a primeira humilhação.
 Outras virão: o soco,
 o choque, a ameaça, 
o urro na escuridão.

— Quantos volts
 suporta um corpo
— em coação,
 até que dele escorra o fel
 da delação?

— O que procura o tortura/dor 
nas pedras do rim alheio
 como vil minera/dor?
— O que ama esse ama/dor
 da morte?
 esse morcego suga/dor 
sob os porões da corte? 
esse joga/dor 
do jogo bruto 
e cria/dor do luto?

O tortura/dor se sente, e acaso o é,
um trabalha/dor diferente:
seu trabalho é destruir
o sonha/dor insistente,
como o médico que resolvesse
matar de dor
— o cliente.

Sob a tortura
 o que há de melhor no homem 
jamais se manifesta. Quando muito 
podeis catar no chão
 o pouco que dele resta. 
Mas soltai-o em festa, ao sol,
 e vereis que a verdade 
de seus gestos se irradia.
 Livre,
 vestindo a pele do dia,
 o torturado caminha
 com seu corpo tatuado 
de violência e poesia.

Mas ele não marcha só. 
Apenas segue na frente 
na direção da utopia.

Dois dias antes de sabermos que Ainda Estou Aqui, extraordinário filme dirigido por Valter Sales, com o papel deslumbrante de Fernanda Torres e emblemático desempenho de Fernanda Montenegro, ganharia o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, morreu no Rio, aos 87 anos, nosso imortal Affonso Romano de Sant’Anna, cronista e poeta dos melhores que a língua portuguesa viu nascer.

E prestemos atenção no seu esplêndido e doloroso poema O TORTURADO E SEU TORTURADOR, expressão mais horrorosa do terror, da crueldade, da bárbara desumanidade, dizendo-nos com sua sensibilidade, na maior clareza, o que é a Tortura. Tortura que o filme retrata, de maneira chocante, nesse relato corajoso e necessário sobre o que aconteceu com Rubens Paiva.

Por José Osmando

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