Quando discursou na abertura da 79ª Assembleia-Geral da ONU, na terça-feira passada, dia 24, o Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, fez às lideranças mundiais ali reunidas um apelo para que o mundo baixe as armas, ponha fim às guerras que têm se transformado numa prática frequente nas últimas décadas, e alertou para o fato de que 2023 ostenta o triste recorde do maior número de conflitos armados desde a Segunda Guerra Mundial.
No momento em que Lula disse isso, o mundo já observava a guerra entre Rússia e Ucrânia, iniciada em fevereiro de 2022, próxima, então de completar três anos, Israel e Palestinos se enfrentam desde 7 de outubro do ano passado e diversos países da África e Ásia (Sudão, Nigéria, Ruanda, Mali, Burundi, Congo e Angola) vivem um conflito permanente, todos deixando milhares de mortos, sobretudo crianças e mulheres.
No tempo exato desses alertas, mais um conflito armado perigoso se instalou no cenário mundial, com Israel realizando, dia 23, segunda-feira, o mais mortal ataque ao Líbano desde 2006 quando ocorreu a guerra entre os israelenses e o Hezbollah.
Na semana passada, durante uma entrevista concedida em Lisboa, o presidente do Instituto para a Economia e a Paz, o australiano Steve Killelea, apresentou relatório referente a 2024 do Índice Global de Paz, constando que existem hoje 56 conflitos mortais no mundo, o máximo desses eventos funestos desde o fim da Segunda Guerra. Existem neste momento 92 países que vivem luta armada em conflitos que vão além de suas próprias fronteiras.
Esses números apresentados pelo Instituto para a Economia e a Paz constituem o máximo desde a criação do Índice Global da Paz, em 2008. O relatório mostra um perfil dos países mais afeitos às guerras, aos conflitos permanentes, e das nações que, contrariamente a essa beligerância, têm uma histórico de harmonia com os seus e com seus vizinhos.
Nesse particular, a Islândia, um país nórdico insular europeu situado no Atlântico Norte, está na primeira posição no confortável ambiente de sossego e tolerância, ao contrário de países do Oriente Médio e Ásia, a exemplo do Iémen e Afeganistão, que disputam o deplorável troféu da violência. O Iémen, neste momento, está no fundo da tabela, que saiu recentemente das mãos do país asiático.
E nesse indesejável perfil de violência, de insistência em eventos sangrentos que se espalham sobre regiões e ameaçam o mundo, situam-se muitos países do Oriente Médio, com notável liderança de Israel, cuja maioria de sua população é de origem judia, atualmente em conflito mortal com os palestinos, com foco na Faixa de Gaza, agora também contra os libaneses, numa espécie de retorno à guerra sangrenta de 2006. Israel vive em permanente ameaça aos vizinhos Síria, Jordânia, Cisjordânia, Líbano, Irã, nunca se sabendo se algum dia essa beligerância terá fim.
Ao destacar que este momento concentra o número recorde de conflitos no mundo, o relatório destaca que em geral a memória coletiva costuma lembrar aqueles episódios que estão mais presentes na mídia, como Rússia e Ucrânia, Israel e Palestinos, mas há outros conflitos que passam despercebidos, como os do Sudão, no Sudão do Sul, no Congo e na Etiópia. Em 2023, o maior parte das mortes foi na Ucrânia e em Gaza, mas em 2022 o conflito mais mortal era no Tigré, uma região da Etiópia. Ali, em apenas 16 meses, entre 2020 e 2022, mais de 500 mil pessoas perderam a vida, a maioria mulheres e crianças, muitas delas de fome. Os assassinatos diretos teriam sido de até 100 mil pessoas, enquanto as mortes transversais, indiretas, causadas pela falta de alimento e negligência à saúde pública, teriam sido em torno de 400 mil.
O mundo, vê-se claramente, a cada dia perde mais o censo de humanidade e de governança. Uma desgraça crescente, escancarada aos olhos da indiferença e do descaso de governantes mundiais e das elites que os sustentam.
Por José Osmando