A ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, sustentou ontem, em discurso na Cúpula da Biodiversidade, na Colômbia, a necessidade de se reformular o sistema econômico de maneira a fomentar a floresta em pé em vez de fomentar a produção de commodities a qualquer custo.
A fala da ministra brasileira do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas é coerente com a discussão relevante que começa a despertar os países na urgente proteção e regeneração dos ecossistemas, acossados a cada dia por uma brutal selvageria de degradação.
Mas se é coerente e legítima a fala de Marina, a realidade da legislação ambiental é absurdamente falha, em razão de janelas abertas no próprio Código Florestal, que terminam facilitando a vida dos criminosos ambientais, e de uma prática histórica de impunidade em relação àqueles que destroem as floretas e outros biomas, que realizam invasões a áreas protegidas e promovem incêndios devastadores sobre esses ambientes.
Em meio a uma realidade desesperançosa, prevalece, de maneira soberba, uma impunidade vergonhosa para o Brasil. Um estudo recente do Tribunal de Contas da União nos dá conta de que o Ibama aplicou 57,8 mil penas por crimes ambientais nos últimos cinco anos (até começo de 2023), mas só 5,1 mil desses casos tiveram desfecho final, resultando em pagamento pecuniário dessas penalidades. Isso representa insignificantes 8,8% da totalidade, jogando na nossa cara que 52,7 mil casos nunca foram encerrados e, assim, o governo nunca viu a cor do dinheiro.
Conforme ainda o TCU, uma análise sobre apenas 9,1 mil dessas punições por crimes contra o meio ambiente somam um total de R$ 2,4 bilhões, e completarão cinco anos entre 2024 e 2026. O total de multas em todos esses processos em demorada análise nos órgãos de fiscalização passa dos R$ 44 bilhões, um volume expressivo, que se tivesse sido pago e aplicado em ações de restauração ambiental, faria, certamente, bastante diferença.
Se o país já possuía um histórico de velhacaria em relação ao pagamento de multas ambientais, tal quadro degringolou de vez no governo passado, quando o então ministro bolsonarista do Meio Ambiente, Ricardo Sales, resolveu “passar a boiada” e inventou uma prática descabida de “audiências de conciliação”, uma etapa extra na tramitação das multas, com visível proteção aos transgressores. A isso somou-se o desmantelamento da máquina pública de controle e fiscalização, severamente sucateada sob sua passagem pelo ministério.
Graças à passagem do boi gordo e à “conciliação” imposta pelo ministro Sales, o desfecho fatal é que 69,2% dos casos, entre 2019 e 2021, foram anulados. Ou seja, aplausos para os destruidores da natureza, que tiveram a ousadia de colocar as florestas no chão, transformadas em madeira para exportação (algo que continua sendo apurado contra o ex-ministro Sales). Tudo isso serviu de estímulo para que ocorresse nesse período a maior onda de invasão a áreas protegidas do país e o crime organizado se instalasse de vez na Amazônia, especialmente, levando a mais destruição, à exploração ilegal do ouro e outros minerais, ao contrabando para o exterior e a centenas e centenas de mortes, sobretudo da população indígena.
A triste verdade, diante desses fatos aqui apontados, é que a falta de punição efetiva, que mexa de fato no bolso e nos cofres de criminosos ambientais, alimenta esse cenário caótico. Quando menos de 5% de todas as multas aplicadas chega de fato aos cofres públicos, parece que se está mandando um recado aos transgressores: procurem evitar devastações, mas se não conseguirem se conter, porque o lucro de vocês exige velocidade a qualquer preço, deixem com a gente, no final damos um jeito. É isso que acontece.
Por José Osmando