Uma estatística revelada nesse final de semana, relativa aos acidentes de trânsito na cidade do Rio de Janeiro, coloca-nos diante de uma guerra mortal, progressiva, descontrolada, que está dominando a cena urbana no Brasil. Na bela ex-capital do país, de 27.161 casos registrados no ano passado, verifica-se a espantosa soma de 20.877 motos envolvidas, com o registro de um acidente a cada 25 minutos. Conforme os dados extraídos da Lei de Acesso à Informação, três em cada quatro ocorrências de trânsito na cidade atendidas pelo Corpo de Bombeiros, têm a presença de motos.
Ou seja, as motos, embora correspondam a apenas 16% do total da frota de veículos registrada no Rio, estão presentes em 77% de todos os acidentes socorridos pelos Bombeiros, o que demonstra o quanto esse transporte sobre duas rodas está cada vez mais vulnerável, perigoso e mortal. Na mesma proporção ao número de motos, 3 a cada quatro vítimas (76%) atendidas pelos bombeiros se envolveram em acidentes com motos, , totalizando 8.028 entre os 10.531 vitimados durante o ano de 2024.
Outros dados emitidos pela Rede municipal de Saúde do Rio alertam para a escalada nos atendimentos a vítimas com motos: foram mais de 19 mil em 2024, com um preocupante avanço de 32% em relação a 2023.
O acidente com moto é o mais letal entre as ocorrências de trânsito. Mesmo quando a vítima sobrevive, geralmente sofre danos irreversíveis à saúde, como amputação, ficando inabilitada para o trabalho. Apenas em um hospital do Rio, o Miguel Couto, a quantidade de feridos em acidentes com motos cresceu 50% em 2024, comparado a 2023, ano em que foram realizadas, em média, 165 atendimentos desse tipo. No ano passado, o número subiu para mais de 250.
No somatório das causas mais frequentes desses acidentes, os Bombeiros apresentam diversos depoimentos graves de pessoas vitimadas. Um deles diz respeito ao uso frequente do celular por usuários de motos, com motociclistas pilotando e falando ao mesmo tempo, praticando zigue-zagues nas vias de passagem, excesso de velocidade e desrespeito aos demais veículos, com notável quebradeira de retrovisores e danificação de automóveis, com prejuízos e susto aos usuários de carros.
Uma constatação feita por um antigo entregador, que trabalha há oito anos com entregas e já sofreu oito acidentes, é quanto ao aumento muito elevado no número de mototáxis e motoboys nas ruas da cidade, acelerada pelo fato de que as empresas que trabalham com entregas e fazem as contratações deixaram de fazer exigências que antes eram feitas às pessoas a serem contratadas, reduzindo assim a segurança.
Verifica-se que muitos desses usuários de motos que estão no vai-e-vem do Rio não têm experiência alguma com trânsito e muitos deles transitam de maneira irregular, sem os devidos registros nos órfãos de fiscalização e no Detran. Além do mais, a fiscalização é falha e ineficaz, em muitas áreas até mesmo inexistente, o que só contribui para aumentar a tragédia. Entre as vítimas, há muitos menores, pessoas alcoolizadas e muitos que não usam o capacete.
Vejamos a gravidade dessa constatação: Por trás de cada entrega de lanche ou compras há risco de morte. A grande maioria dos pedidos de delivery atravessa a cidade nas costas de motoboys e motogirls, os trabalhadores mais vulneráveis do trânsito. Eles dividem espaço com veículos que pesam toneladas e trafegam em altas velocidades, com pouca proteção, além do capacete. Outro problema está na falta de apoio. Raramente conseguem apoio financeiro após um acidente em que precisam ficar meses ou até mesmo anos afastados do trabalho.
Os acidentes com motos têm um impacto muito significativo na sociedade brasileira, quer seja no aspecto humano, de vidas perdidas ou sacrificadas, quer no âmbito econômico, material. Isso também tem sido uma preocupação em outros países do mundo, a ponto de a Organização Mundial de Saúde alertar para o fato de que cerca de 1,35 milhão de pessoas morrem anualmente nesse tipo de desastre, com muitos sobreviventes sofrendo lesões de longa duração e até mesmo infindáveis, com redução penosa a sua qualidade de vida.
Esse assombro de acidentes com motos no Brasil não se registra apenas nos cenários urbanos. Dados da Polícia Rodoviária Federal indicam que há uma média de 77 acidentes com esse tipo de veículo nas rodovias federais, diariamente. Como mostra o Ministério da Saúde, em 2023 foram contabilizadas mais de 1,2 milhão de pessoas hospitalizadas em decorrência de acidentes com motos, um aumento de 32% nos últimos 10 anos.
Por José Osmando