Mesmo para quem não nutre qualquer simpatia pela privatização de serviços públicos essenciais, como não nutro, é inegável que a concessão de serviços à iniciativa privada no caso do esgotamento sanitário é uma medida positiva, esperançosa de que esse quadro de cobertura no Brasil se modifique para melhor, salvando milhares e milhares de pessoas de doenças e mortes geradas por consequências hídricas, que poderiam ser plenamente evitadas.
Recentemente, o governo do Piauí fez concessão para que a empresa AEGEA, que já administrava, de modo positivo, esses serviços em Teresina, passe, como já ocorre, a gerir os serviços de água e esgoto em todo o Estado, um ato que faz o governador Rafael Fonteles acreditar que em pouco tempo a destinação de R$ 8,6 bilhões pela empresa privada possa contribuir para universalizar o saneamento básico em todo o território piauiense nos próximos 10 anos.
Considero que essa é uma iniciativa importante. Não apenas no Piauí, mas em vários Estados brasileiros que vêm seguindo o mesmo ritual de concessões. De certa forma, parece visível que os governantes estão se conscientizando de que os danos causados à saúde pública, sobretudo nas populações mais pobres, pela ausência de esgotamento sanitário são grandes, crescentes e irreparáveis. Passa a haver a consciência de que a carência de esgoto não é apenas uma questão de déficit de infraestrutura, mas um problema grave de saúde pública, que precisa imediatamente ser reparado.
Um recentíssimo estudo divulgado pela Associação e Sindicato Nacional de Concessionárias de Serviços de Água e Esgoto(Abcon-Sindcon) mostra que em apenas três anos, de 2021 a 2023, há o registro de mais de 1 milhão de internações hospitalares decorrentes do déficit na coleta de esgoto sanitário e no tratamento de água potável.
Dados do marco regulatório do Saneamento Público, realizado em 2020, mostram que começa a haver uma certo avanço na cobertura sanitária, especialmente após o início dessas concessões, mas são necessários investimentos de grande porte para acelerar essas ações, uma vez que ainda há mais de 45% da população sem qualquer cobertura de esgoto e quase 20% de pessoas sem água tratada, o que faz permanecer a incidência de doenças transmisseis pela água, atingindo sobretudo crianças.
Há regiões, como o Norte do país, em que o esgoto sanitário está acessível a apenas 7,5% da população. No Centro-Oeste chega só a 24,7% dos habitantes. A Região Norte, onde as taxas de cobertura de saneamento básico são notoriamente mais baixas, apresenta uma incidência de 45,43 casos de diarreia por mil crianças, mais que o dobro da média nacional, de 18,48.
As vítimas principais dessa tragédia e descaso da administração pública são as crianças, por ficarem mais vulneráveis ao contato com água não-tratada, contaminada, gerando mais de 300 mil internações hospitalares e muitas mortes. De acordo com a Abcon Sindcon, nada menos do que 10,7% das internações são consequências da contaminação hídrica. Internações e mortes que seriam avitadas se essas crianças vivessem num ambiente saudável, essencial como redutor de doenças.
Além de internações e mortes, as doenças causadas pela ausência de saneamento e água tratada, causam muitos outros problemas a crianças e jovens, sobretudo no ambiente escolar. Por conta dessas doenças, que são repetitivas, pois o contato com as fontes contaminadas permanece, a frequência escolar é seriamente alterada para aqueles que estão na faixa de 2 a 19 anos de idade, resultando no atraso educacional e muitas vezes no abandono da própria escola. Entre as crianças, os maiores índices de internações decorrem da incidência de diarréias.
Os problemas são de tal maneira expressivos que há gente no Congresso defendendo que na Reforma Tributária que está sendo concluída, o saneamento básico no Brasil passe a ter o mesmo tratamento dado à saúde pública ou a setores como as restrições ao uso de armas de fogo pela população. Um dado que deveria servir de convencimento ao mundo político e às gestões públicas no país é de que a cada 1 dólar investido em saneamento, retornam 5 dólares em saúde, conforme relato da Organização Mundial de Saúde.
Por José Osmando