Em uma audiência pública realizada nesta quarta-feira (13) pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados, vários debatedores defenderam modificações na legislação para facilitar o retorno de crianças ao Brasil em casos de violência doméstica. A medida tem como finalidade proteger mães que decidem retornar ao país com seus filhos, sem sofrerem acusações de sequestro internacional. Este debate traz à tona questões acerca da Convenção de Haia, ratificada pelo Brasil em 1999, que regula a retirada de menores de seus países de origem sem a devida autorização.
De acordo com a convenção, essa prática é considerada uma violação dos direitos da família e da criança, salvo em situações de risco físico e psíquico grave. A falta de um parâmetro universal para definir o que constitui violência doméstica resulta na interpretação restrita das cláusulas do tratado, explica Sâmia Bomfim, deputada pelo Psol-SP. Ela argumenta que ao longo das últimas quatro décadas, a aplicação irrestrita do tratado não levou em consideração os casos de violência doméstica que afetam mulheres brasileiras migrantes e, consequentemente, seus filhos.
Janaina Albuquerque, representante da Revibra Europa, destacou as dificuldades enfrentadas por essas mulheres no exterior, incluindo xenofobia, barreiras linguísticas, e o risco de serem criminalizadas. Ela ilustra como o ônus da prova nos casos de violência recai sobre as vítimas, um ponto que vai contra a evolução das políticas de proteção às mulheres, como demonstrado pela Lei Maria da Penha no Brasil. Albuquerque também defendeu o Projeto de Lei 565/22, já aprovado pela Câmara, que ainda aguarda votação no Senado. Este projeto visa assegurar que as crianças estariam em risco se o país estrangeiro falhar em proteger adequadamente as vítimas de violência doméstica.
Flavia Ribeiro Rocha, da Autoridade Central Administrativa Federal do Ministério da Justiça, discutiu a necessidade de harmonização internacional do conceito de “alto risco” para assegurar a correta aplicação dos tratados em diferentes jurisdições. Ela afirmou que o Brasil está preparado para liderar um fórum internacional direcionado a discutir violência doméstica e seus impactos legais.
O procurador Boni Soares ressaltou que a Convenção de Haia foi criada em um contexto histórico onde a violência doméstica era um tabu social, demandando assim uma atualização para refinar tanto a legislação nacional quanto as normas internacionais. Ele propôs que a Lei Maria da Penha poderia ser ajustada para definir padrões mais claros de produção de provas em casos de violência doméstica, auxiliando assim o judiciário brasileiro.
Raquel Cantarelli, uma das chamadas “Mães de Haia”, relatou sua experiência pessoal em tentar recuperar a guarda de suas filhas, atualmente sob tutela do pai na Irlanda. Ela relata que a falta de provas claras de crimes como cárcere privado e abuso sexual prejudicou seu caso, mesmo quando a proteção e dignidade de suas filhas estavam comprometidas. Raquel aguarda uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para reverter a situação.
Essa audiência destaca a necessidade urgente de abordar as complexidades legais enfrentadas pelos brasileiros no exterior e de reforçar as ações legislativas para proteger os direitos das vítimas de violência doméstica em cenário internacional.
Com informações e fotos da Câmara dos Deputados