Liberar da tributação do Imposto de Renda todas as pessoas que tenham renda até o valor de R$ 5 mil, como pretende o Governo, resultado ainda das promessas de campanha de Lula, geraria uma perda de arrecadação aos cofres públicos brasileiros de exatos R$ 90,9 bilhões, conforme estudos realizados pelo Centro de Pesquisa em Macrioeconomia das Desigualdades, da Universidade de São Paulo.
Em compensação, a combinação de um imposto mínimo para os milionários (aqueles que têm renda anual igual ou superior a R$ 1 milhão), associada à isenção do IR para rendas de R$ 5 mil, traria benefícios diretos a quem ganha entre R$ 3 mil e R$ 29 mil mensais. O ganho com um imposto com alíquota de 12% sobre rendimentos acima de R$ 1 milhão traria um acréscimo de R$ 65,9 bilhões, e se essa tributação ficar em 15% a receita adicional será de R$ 90 bilhões.
A medida, se for possível de se chegar a um entendimento e aprovação, teria um impacto enorme na progressividade do sistema tributário nacional e seria um instrumento de fato vigoroso para começar a reduzir as gigantescas desigualdades econômicas e sociais, sobretudo essas, as tributárias, que dependem do papel de governança pública.
Esta é uma alternativa que vem sendo estudada pelo Governo, e sobre a qual o próprio ministro Fernando Haddad já se manifestou em algumas ocasiões. A proposta, conforme o ministro, se aproximaria do padrão que já é aplicado entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolovimento Econômico, OCDE, da qual o Brasil faz parte. Atualmente, a insenção do IR vale apenas para as pessoas que têm renda equivalente a dois salários-mínimos, no valor de R$ 2.824 por mês, aliás um benefício já aplicado pelo presidente Lula em 2023.
O Governo tem conversado muito na montagem dessa proposta, pois pretende se fixar num texto seguro, que gere confiança e colaboração dos parlamentares, a quem cabe aprovar, daí a razão de estar sendo trabalhada uma proposta neutra, que não gere déficit para os cofres públicos – o que implicaria em ferir o equilíbrio fiscal o qual o governo tem compromisso de honrar-, mas que também não provoque excesso de receita, ficando os seus efeitos de arrecadação restritos ao compromisso de compensação.
O próprio estudo do Made-USP conclui que é possível um imposto mínimo sobre milionários que gere um efeito fiscal neutro e que, desse modo, tenha o caráter de redução das desigualdades, sem parecer que o governo simplesmente quer mais dinheiro com novas tribuitações. É possível que se avance para um entendimento com o Congresso, até porque lá já existe em tramitação o projeto de lei 2.140, que prevê uma faixa de isenção até R$ 5.200, o que, nesse cenário, levaria a uma perda de arrecadação de R$ 135,8 bilhões, bem superior aos R$ 90 bilhões que agora estão sendo propostos.
Atualmente, o Imposto de Renda sobre Pessoas Físicas possui quatro faixas de tributação (7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%). Se for possível aprovar uma faixa de tributação de 15% sobre as rendas iguais ou superiores a R$ 1 milhão, além de favorecer quem tem renda entre R$ 5 mil e R$ 29 mil, restaria apenas a alíquota de 27,5%, o que implica concluir que todos os de maior renda pagariam mais e os que têm renda mais baixas ficariam livres de pagamento, uma ideia que parece justa para camadas enormes da população que sempre sofreram com as desigualdades, mas na prática sempre pagaram pelos privilégios concedidos pela própria máquina pública.
O modelo regressivo adotado pelo Brasil, em que se fixa o mesmo percentual para todas, ao contrário do imposto progressivo escolhido pela maioria dos países desenvovidos, é extremamente danoso para os mais pobres, pois os tributos fazem grande diferença sobre o consumo de bens e serviços das famílias. Em nosso país, o principal imposto sobre consumo tem uma média de 18%. Isso é o contrário de um imposto progressivo, que na prática, com alíquotas maiores, arrecada mais de quem tem mais poder de renda.
Num país de dimensões territoriais continentais como o Brasil, com uma riqueza concentrada nas mãos de poucos e uma desigualdade horizontalizada, distribuída por todas as regiões, com incidência maior no Nortre, Nordeste e Centro-Oeste, avançar na tributação sobre os super-ricos, criando mecanismos práticos de distribuição de perdas e ganhos, terá, certamente, uma influência muito grande na equidade e justiça social; permitirá um mínimo de sobra de dinheiro para financiar programas sociais elementares para os mais pobres, com foco imprescindível em educação e saúde; ajudará na estabilidade econômica, na medida em que, aliviando o bolso dos mais afetados pelas desigualdades, colocará mais gente no mercado de consumo, com isso favorecendo a economia geral.
A ideia de redução das desigualdades tributárias, com o fim dos privilégios fiscais, tem recebido calorosa aprovação mundo afora. Em junho último, uma pesquisa feita com 22 mil cidadãos das maiores economias do mundo, dentro do universodo do G20, revelou um esmagador apoio às reformas de tributação e às reformas polítias e econômicas mais amplas e profundas. Mais de dois terços dos entrevistados apoiam um imposto maior sobre riquezas, enquanto apenas 11% se posicionaram contrários. E nada menos do que 70% disseram apoiar impostos mais elevados sobre a renda dos mais ricos. Mesmo em países com nível de desenvolvimento muito altos, como Reino Unido, França Alemanha e Estados Unidos, o índice de aprovação à taxação dos mais endinheirados passa dos 65%.
Por José Osmando